terça-feira, outubro 26, 2004

LEI DAS RENDAS (CONT.)

A LEI DAS RENDAS (CONT.)

O PROGRAMA PRÓS E CONTRAS DA RTP

1. Acabei de assistir ao programa Prós e Contras da RTP, que hoje teve como tema “a nova lei do arrendamento urbano”. Tudo o que neste blog se tem dito sobre esta “lei” foi amplamente confirmado pelo resultado geral do debate. O Ministro, pela primeira vez sujeito a um verdadeiro contraditório e tendo que actuar apenas com o desastrado apoio de Menezes Cordeiro, já que o Prof. Pardal se limitou a saltitar de tema em tema sem nunca se fixar no essencial, foi absolutamente incapaz de sustentar o discurso demagógico com que a central de informação do Governo tem vindo a tentar “vender” a nova “lei”. Aliás, não é de admirar que tal tenha acontecido, porque já no solilóquio que manteve com Judite de Sousa, no mesmo canal televisivo, tinham ficado suficientemente evidenciadas as fragilidades do texto legal relativamente ao discurso que o pretende sustentar, bem como as próprias fragilidades do Ministro, que não assentam apenas no seu desconhecimento da matéria, mas sobretudo na sua incapacidade para convencer o auditório.

2. De facto, o Ministro demonstrou que não domina a realidade social e económica que pretende desregular e que uma argumentação exclusivamente baseada em ideias muito gerais da vulgata neo-liberal, ainda por cima expostas nos simplistas termos em que ele as sintetiza, é absolutamente insuficiente para convencer seja quem for. O discurso dos “velhinhos e dos pobrezinhos” está esgotado. Tanto os mais idosos como os mais desfavorecidos economicamente já perceberam o que a lei diz e não se vão deixar enganar. É que a defesa de uma lei que tenha por real objectivo devolver as casas em bom estado aos senhorios e potenciar a entrada do capital financeiro no mercado imobiliário especulativo dos fogos degradados exige uma perícia e uma arte políticas que o Ministro manifestamente não tem, nem nunca virá a ter. E talvez só hoje o Primeiro-ministro Santana Lopes, se outras ocupações sociais mais relevantes o não impediram de ver o programa, tenha verdadeiramente compreendido o imbróglio em que o meteram. O que não deixa à mesma de ser grave, porque coordenar um Governo não é aparecer rodeado de ministros a anunciar a reforma tal ou tal, mas conhecer em profundidade o seu regime e os seus efeitos, para não ter que bater em retirada às primeiras dificuldades ou, pior ainda, permanecer teimosamente no erro e criar um clima social insustentável. O populismo, Senhor Primeiro-ministro, é aceitar que se diga, como sistematicamente tem dito este seu desajeitado Ministro da Habitação que: “ recebi instruções expressas do Senhor Primeiro-ministro, que me pediu para haver uma preocupação clara com o impacto social que esta lei terá nos idosos…” etc., etc., – a lenga-lenga do costume, que até já é motivo de galhofa na comunicação social, e depois todos virem a compreender, Primeiro-ministro inclusive?, que afinal o regime da “lei” é muito diferente do que foi anunciado. Por isso, insisto no que, por outras palavras, tenho dito: a “lei” não é séria, nem é intelectualmente sustentável, a menos que o Governo se assuma como um promotor sem escrúpulos dos interesses acima identificados.

3. Apraz-me registar as notáveis intervenções que no debate televisivo tiveram a economista moradora na Av. da Igreja (ou do Brasil?), que de forma simples, mas brilhante, expôs com toda a crueza o regime geral a que ficam submetidos os arrendamentos de pretérito, o Dr. Luís Barbosa, que, com a diplomacia possível, disse ao Ministro que nem ele nem os autores materiais da lei sabiam o que andavam a fazer e a senhoria que tem um prédio degradado para recuperar. No plano político e técnico, a Odete Santos esteve insuperável. A Leonor Coutinho deixou perceber qual vai ser a posição do PS: como sempre, do lado do Estado de direito E a propósito: o Bloco não se manifesta publicamente? Ou este seu silêncio já é um prenúncio do que inevitavelmente lhe acontecerá se o PS crescer muito?

4. A lamentável intervenção de Menezes Cordeiro merece um comentário à parte. Se o Ministro esperava deste, ao que parece, autor material da lei, um apoio e uma ajuda para suas conhecidas insuficiências e limitações, deve por esta hora, se lhe restar um mínimo de espírito crítico, estar bem arrependido de o ter levado consigo. Do ponto de vista televisivo, o Professor foi um desastre! Começar por debitar uma bafienta sebenta a propósito do conceito de arrendamento - uma realidade que todos os presentes naquele debate conhecem perfeitamente - e da sua natureza jurídica, com referências pretensamente eruditas aos romanos – que, seja-me permitido dizê-lo, como juristas foram aquilo que Menezes Cordeiro demonstrou nunca poder vir a ser – é meio caminho andado para a catástrofe que as ulteriores intervenções confirmaram. O Prof., ao sujeitar pura e simplesmente o contrato de arrendamento urbano ao tal princípio da autonomia da vontade, que se joga sempre segundo as regras do mais forte, não somente inviabiliza o nascimento do pretendido mercado de arrendamento, por fragilizar excessivamente a posição contratual de uma das partes, como cria uma situação social insustentável para todos os arrendamentos de pretérito. E sendo a República Portuguesa, como efectivamente é, um Estado de direito democrático não é crível que tais normas possam ter acolhimento no seio do nosso ordenamento jurídico, qualquer que seja a esse respeito a vontade do legislador e a dos juristas contratados que o apoiam. Sobre este tema, por agora, fico-me por aqui, não sem antes lembrar ao Prof., a propósito de anteriores andanças suas por estas mesmas matérias, que os homens inteligentes aprendem com os erros dos outros e os normais com os próprios…Lamentável foi igualmente, não apenas do ponto de vista sócio-político, mas também juridicamente, a sua intervenção sobre o arrendamento comercial. Além se ter confrontado, depois da confusa e incorrecta explicação sobre as consequências da “lei” para o dono do restaurante de Alfama, com a resposta que este lhe deu: “Não acredito no que me está a dizer, nem é isso o que a lei diz”, teve ainda de se sujeitar a uma verdadeira lição de direito, dada pela Odete, por não ter sabido distinguir, a propósito do arrendamento comercial, entre a posição de inquilino e a de dono do estabelecimento comercial. Lamentável é igualmente ouvir dizer de um Prof. de direito que um inquilino com contrato de arrendamento há 35 anos pode exigir a indemnização das benfeitorias feitas ao longo dos anos, desde que as prove…

5. Para terminar a intervenção de hoje apenas mais uma nota relativa às obras previstas na nova “lei”. Tem sido argumentação recorrente do Ministro a de que o senhorio só pode aumentar a renda, se fizer obras e de que a lei tem em vista a requalificação urbana, nomeadamente de Lisboa e Porto. A primeira afirmação é falsa, como falsa é a proposição segundo a qual o aumento das rendas está subordinado à apresentação da licença de utilização ou do certificado de habitabilidade. A norma que exige a apresentação destes documentos é supletiva, podendo como tal ser afastada pela vontade das partes. Por aqui logo se vê a importância que o Ministro concede à dita requalificação urbana por esta via. Mas há mais: há um outro aspecto da questão a que ninguém tem aludido e que é o seguinte: o que acontece se o inquilino exigir ao senhorio o certificado de habitabilidade e a Câmara não o passar dentro do prazo previsto na lei geral? Vale o princípio do deferimento tácito?

Lisboa, 26 de Outubro de 2004

1 Comments:

Blogger fernandofcunha said...

já agora: e se o senhorio, quando o arrendado constituir casa de morada de familia, só comunica a um dos conjuges a pretensão de aumento de renda nos termos do artigo 34º do NRAU? Ineficaz quanto ao conjuge?
quid Juris?

30 de agosto de 2011 às 20:45  

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