sábado, dezembro 01, 2007

REGIME ESPECIAL DE ACTUALIZAÇÃO DAS RENDAS ANTIGAS (cont.)

10.ª QuestãoComo se determina o valor do locado para efeitos de actualização da renda?

O valor do locado é o resultado do produto do valor da avaliação realizada nos termos do CIMI, há menos de três anos, pelo coeficiente de conservação do prédio. Todavia, se a avaliação fiscal tiver sido realizada mais de um ano antes da fixação da nova renda, o valor acima referido será actualizado de acordo com os coeficientes de actualização das rendas que entretanto tenham vigorado (art. 32.º).

11.ª QuestãoComo se determina o valor patrimonial tributário (avaliação)?

Como acima se disse, uma avaliação realizada há menos de três anos é indispensável para que o senhorio possa desencadear o processo de actualização das rendas.
Se não está na situação referida, o senhorio que pretenda actualizar a renda deverá requerer uma avaliação do valor patrimonial tributário do locado. A determinação do valor patrimonial resulta da seguinte expressão (art. 38.ºdo CIMI):

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

Em que:
Vt = o valor patrimonial tributário
Vc = valor base dos prédios edificados
A = Área bruta de construção mais área excedente à área de implantação
Ca = coeficiente de afectação
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto
Cv = coeficiente de vetustez

O arrendatário deverá conferir atentamente o resultado da avaliação, já que, como se disse, o montante da renda actualizada depende fundamentalmente daquele valor. Pode, de facto, acontecer que o prédio esteja sobreavaliado. É que, não obstante o cálculo do valor tributário resultar da aplicação de uma fórmula algébrica, cujos elementos integradores deixam uma margem muita estreita, ou quase inexistente, de discricionariedade, pode mesmo assim acontecer, dada a forma como é feita a primeira avaliação, que haja incorrecções, voluntárias ou involuntárias. E nem sequer o arrendatário deverá contar com uma acção correctiva particularmente eficaz das autoridades fiscais, pois, como é sabido, estas normalmente só tomam a iniciativa de intervir quando se verifica a situação oposta.
Vejamos cada um dos elementos da fórmula de per si.

O valor base dos prédios edificados – Vc – é fixado por portaria (para o ano de 2007, Portaria n.º 1433-C/2006 de 29 de Dezembro). Este valor corresponde ao valor médio da construção por metro quadrado acrescido do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor. Em princípio, não haverá incorrecções na determinação deste valor.

O mesmo se diga relativamente a Ca (coeficiente de afectação) e a Cl (coeficiente de localização). O primeiro é fixado por lei, em função do tipo de utilização dos prédios edificados, e o segundo, por portaria, de acordo com os princípios estabelecidos na lei.

Já o coeficiente de vetustez (Cv), que depende da idade dos prédios, pode estar incorrectamente determinado se a indicação da idade do prédio se tiver baseado numa declaração do proprietário, como, em regra, acontece. Se o inquilino tiver dúvidas, deverá pedir na Câmara uma certidão comprovativa da conclusão das obras.

No que respeita a Cq (coeficiente de qualidade e conforto), que permite majorar o valor do prédio até 1,7 ou minorá-lo até 0,5, será também necessário estar particularmente atento à ponderação dos elementos majorativos e minorativos, em regra, feita pelo proprietário.

Finalmente, o valor A obtém-se mediante aplicação da seguinte fórmula: A = (Aa + (Ab x 0,3) x Caj +(Ac x 0,025) +(Ad x 0,005), em que Aa representa a área bruta privativa, Ab a área bruta dependente, Caj o coeficiente de ajustamento de áreas, Ac a área de terreno livre até ao limite de duas vezes a área de implantação e Ad a área de terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação.
Esta fórmula, que entrou em vigor em 1 de Julho de 2007, resultante da alteração do CIMI, introduzida pela Lei n.º 53-A/06 de 29 de Dezembro, vai permitir que as áreas brutas privativas e dependentes sejam reduzidas em função de um coeficiente de ajustamento, que será de 1 para os primeiros 100 m2, de 0,9 para as áreas acima de 100m2 até 160 m2; de 0,85 para as áreas acima de 160 m2 até 220 m2; e de 0,80 para as áreas superiores a 220 m2. Ou seja, a área do prédio, para efeito de avaliação, não resultará da simples soma das diversas áreas compreendidas naquela fórmula, calculadas com ou sem os coeficientes previstos na lei, como acontecia antes da alteração legal acima referida. Em virtude daquela alteração legal, A sofrerá um ajustamento para menos sempre que a soma da área bruta privativa e dependente (30%) seja superior a 100m2. Nem sempre nas avaliações comunicadas aos inquilinos se entrou em linha de conta com o Caj, nomeadamente naquelas que foram efectuadas antes de 1 de Julho de 2007. Como o cálculo de A influencia decisivamente o resultado final global, deverá o inquilino pedir uma segunda avaliação sempre que, na que lhe foi comunicada, se não tenha entrado em linha de conta com aquele coeficiente.

O coeficiente de ajustamento de áreas (Caj), para habitação, é o seguinte:

Aa + 0,3Ab
<= 100 – 1
>100 – 160 – 0,90
>160 – 220 – 0,85
> 220 - 0,80

Exemplificando: um prédio com área bruta privativa de 189m2 e com 18m2 de área bruta dependente terá, para efeitos de avaliação (supondo a inexistência de Ac e Ad), uma área de 183,24 m2 (e não de 194,4 m2, como resultaria da aplicação daquela fórmula sem o Caj, (189+ (18x0,3) =194,4 m2). Com efeito, representando a área bruta privativa (189 m2) mais a área bruta dependente (18 m2 x 0,30) uma área de 194,4 m2, o cálculo de A resultará da aplicação do coeficiente 1 aos primeiros 100 m2; do coeficiente 0,9 aos 60 m2 subsequentes (ou seja, 54 m2); e do coeficiente 0,85 aos restantes 34,4 m2 (194,4 m2 – 160 m2), ou seja, 29,24 m2.

12.ª QuestãoO que pode fazer o arrendatário se não concordar com a avaliação?

A avaliação em que o senhorio se baseia para iniciar o processo especial de actualização de renda é uma avaliação directa, isto é, feita pelo chefe de finanças, em princípio, com base nas declarações do sujeito passivo. Se o arrendatário não concordar com esta avaliação poderá requerer uma nova ao serviço de finanças competente, dando do facto conhecimento ao senhorio. Neste caso, o arrendatário ocupará a posição do sujeito passivo, sendo o senhorio notificado para, se quiser, integrar a comissão de avaliação (n.ºs 6 e 7 do art. 37.º).

Decorre da lei que o pedido de segunda avaliação não suspende a primeira, para efeito de pagamento da nova renda. Se da nova avaliação resultar valor diferente para a nova renda, os acertos devidos são feitos com o pagamento da renda subsequente (n.º 8 do art. 37.º). Já no respeita ao senhorio, enquanto proprietário, a liquidação do imposto fica suspensa enquanto se não tornar definitivo o resultado da segunda avaliação.
A faculdade concedida ao arrendatário de pedir uma segunda avaliação justifica-se e é plenamente conforme ao nosso ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, porque a nova renda vai depender em grande medida do valor tributário apurado; em segundo lugar, porque tratando-se de uma fórmula algébrica com uma escassíssima margem de discricionariedade não se justificaria que o inquilino fosse obrigado a recorrer a tribunal para corrigir lapsos evidentes; depois, por o valor a apurar resultar do trabalho de uma comissão, na qual o senhorio, se quiser, estará representado; finalmente, porque o fisco, tendo voto de qualidade, certamente não permitirá que ao prédio seja atribuído um valor patrimonial inferior ao devido.

segunda-feira, novembro 26, 2007

REGIME ESPECIAL DE ACTUALIZAÇÃO DAS RENDAS ANTIGAS (cont.)


7.ª QuestãoQual o montante da renda devida em consequência da actualização?

A actualização da renda processa-se faseadamente, tendo como limite máximo o valor anual correspondente a 4% do valor do locado (art. 31.º).

8.ª QuestãoDe que factores depende a aplicação dos diferentes prazos previstos na lei para a actualização das rendas?

A renda pode actualizar-se em 2,5 ou 10 anos.

Tem lugar a actualização em 10 anos sempre que:
- O agregado familiar do arrendatário tenha um RABC inferior a 5 RMNA;
- O arrendatário seja portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%;
- O arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos à data da comunicação, pelo senhorio, dos requisitos exigidos por lei para a actualização da renda.

A actualização tem lugar em 2 anos quando o senhorio invoque que o agregado familiar do arrendatário tem um RABC superior a 15 RMNA e junte documento comprovativo.

Nos demais casos, a actualização da renda far-se-á em 5 anos.

9.ª QuestãoComo se processa a actualização das rendas em cada um dos prazos de faseamento?

A actualização ao longo de 10 anos faz-se nos seguintes termos: no primeiro ano acresce à renda vigente aquando da comunicação do senhorio (com os requisitos exigidos por lei) um nono da diferença entre esta e a renda comunicada; nos anos subsequentes até ao nono ano vai acrescendo, em cada ano, relativamente à renda do ano anterior, mais um nono daquela diferença de modo a que no nono ano a renda a pagar pelo arrendatário seja a comunicada pela senhorio quando desencadeou o processo de actualização da renda; no décimo ano, a renda devida será a indicada pelo senhorio na sua comunicação inicial, actualizada de acordo com os coeficientes de actualização que entretanto tenham vigorado. Ou seja, a renda devida no décimo ano será exactamente a mesma que o arrendatário pagaria nesse ano se não tivesse havido faseamento.
Exemplificando: o senhorio, de acordo com os critérios legais em vigor, comunica uma renda actualizada de € 300. Até ao nono ano a renda aumentará gradualmente até atingir naquele ano aquele montante. No décimo ano, a renda será actualizada mediante aplicação dos nove coeficientes de actualização que entretanto tenham vigorado. Supondo que, em média, vigorou em cada ano um coeficiente de actualização de 2,8%, a renda devida no décimo ano será de € 395.
Durante o faseamento, o limite de actualização da renda é de € 50 mensais no primeiro ano e de € 75 em cada um dos anos subsequentes até ao nono ano; excepto, quando tal valor for inferior ao que resultaria da actualização anual resultante da aplicação do coeficiente de actualização anual do arrendamento para habitação (já que é de contratos de arrendamento para habitação que estamos a tratar).

A actualização da renda ao longo de 5 anos faz-se nos seguintes termos: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio acresce um quarto da diferença entre esta e a renda comunicada; nos anos subsequentes até ao quarto ano vai acrescendo em cada ano, relativamente à renda do ano anterior, mais um quarto daquela diferença de modo a que no quarto ano a renda devida pelo arrendatário seja a comunicada pelo senhorio; no quinto ano, a renda será a comunicada pelo senhorio, actualizada de acordo com os coeficientes de actualização que entretanto tenham vigorado.
Durante o faseamento, o limite de actualização da renda é de € 50 mensais no primeiro ano e de € 75 em cada um dos anos subsequentes até ao quarto, excepto quando tal valor for inferior ao que resultaria da actualização anual da aplicação do coeficiente de actualização anual do arrendamento (para habitação).

A actualização da renda em dois anos faz-se da seguinte forma: no primeiro ano, à renda vigente aquando da comunicação do senhorio acresce metade da diferença entre esta e a renda comunicada; no segundo ano, será devida a renda comunicada pelo senhorio, actualizada de acordo com os coeficientes de actualização que entretanto tenham vigorado.

REGIME ESPECIAL DE ACTUALIZAÇÃO DAS RENDAS ANTIGAS (cont.)


5.ª QuestãoQuando deve responder o arrendatário à comunicação do senhorio?

O arrendatário deve responder no prazo de 40 dias. Trata-se de um prazo contínuo: começa a correr no dia imediatamente a seguir à notificação e termina no quadragésimo dia. Se o fim do prazo cair num sábado, domingo ou feriado passa para o primeiro dia útil seguinte. Se houver vários arrendatários, ou no caso de o local arrendado constituir casa de morada de família, a resposta pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar. É também em relação a este momento que se desencadeiam os efeitos previstos no n.º 5 do artigo 44.º, qualquer que tenha sido o cônjuge a receber a comunicação em último lugar.

A resposta deve ser dirigida para o endereço do senhorio que consta do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. A lei deixa em alternativa as duas hipóteses, mas será mais prudente enviar a resposta para o endereço da comunicação de actualização de renda. A resposta do arrendatário deverá ser remetida por carta registada com aviso de recepção. A lei é omissa quanto às consequências decorrentes de o senhorio se ter recusado a receber a carta ou de não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais (seis dias úteis para a correspondência normal). Mas desta recusa ou inacção nunca poderá resultar qualquer consequência gravosa para o inquilino, devendo este, por razões práticas, guardar a prova de que remeteu a carta dentro do prazo legal.

Havendo pluralidade de senhorios, a resposta do arrendatário deve ser dirigida ao primeiro signatário, a menos que haja representante constituído ou quem, em comunicação anterior, tenha sido designado para a receber.

Em caso de herança indivisa, o arrendatário deve dirigir a resposta ao cabeça de casal, salvo indicação de outro representante. Se houver vários cabeças de casal, seguem-se as regras anteriormente expostas quanto à pluralidade de senhorios e de arrendatários.

6.ª QuestãoComo deve responder o arrendatário à comunicação do senhorio?

O arrendatário na sua resposta pode, antes de mais, invocar uma das seguintes circunstâncias:
- Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA);
- Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%,

O arrendatário pode ainda no mesmo prazo de 40 dias requerer a realização de nova avaliação do prédio ao serviço de finanças competente, dando do facto conhecimento ao senhorio.

Em alternativa, o arrendatário pode no mesmo prazo denunciar o contrato e desocupar o locado no prazo de seis meses, não havendo, neste caso, lugar a qualquer alteração de renda.

O silêncio do arrendatário vale como declaração de inexistência das circunstâncias acima referidas.

O arrendatário que invoque um RABC inferior a 5 RMNA deverá fazer acompanhar a sua resposta de documento comprovativo passado pelo serviço de finanças competente. Se à data da resposta não dispuser deste documento, deverá juntar comprovativo de que já o requereu e remetê-lo ao senhorio nos 15 dias subsequentes à sua obtenção. O RABC refere-se ao ano civil anterior ao da comunicação.

O arrendatário que invoque a circunstância da idade ou de deficiência deverá igualmente na resposta fazer prova dos factos alegados.

REGIME ESPECIAL DE ACTUALIZAÇÃO DAS RENDAS ANTIGAS (cont.)

1.ª QuestãoComo pode o senhorio actualizar a renda?

A actualização da renda depende de iniciativa do senhorio, art. 34.º (doravante, na falta de outra indicação, os textos legais citados serão sempre da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro). O senhorio, porém, só pode actualizar a renda se houver uma avaliação do locado, nos termos do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis) e se o nível de conservação do prédio não for inferior a 3. Como mais adiante se verá, o NRAU estabelece cinco níveis de conservação, correspondendo o nível 3 a um estado de conservação médio.
Este ponto, essencial à aplicação da lei, será devidamente desenvolvido mais à frente.

2.ª QuestãoComo deve ser feita a comunicação do Senhorio?

O senhorio deverá comunicar ao arrendatário o montante da renda futura (n.º 2 do art. 34.º) e a comunicação deverá conter, sob pena de ineficácia (n.º 4 do art. 38.º):
- Cópia do resultado da avaliação do locado nos termos do CIMI e da determinação do nível de conservação;
- Os valores da renda devida após a primeira actualização, correspondentes a uma actualização em 2, 5 ou 10 anos;
- O valor em euros do RABC (rendimento anual bruto corrigido) que nesse ano determina a aplicação dos diversos escalões;
- A indicação de que a invocação, por parte do arrendatário de alguma das circunstância que determinam o faseamento da renda em 10 anos (a saber: ser o RABC do agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA); ter o arrendatário idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, n.º 3 do art. 37), deve ser realizada em 40 dias, mediante apresentação de documento comprovativo;
- Indicação das consequências da não invocação de qualquer das circunstâncias acima referidas.

A comunicação ao arrendatário para actualização da renda deve ser feita em carta registada com aviso de recepção; na falta de indicação em contrário, as cartas devem ser remetidas para o local arrendado. A comunicação do senhorio pode também ser entregue em mão, devendo, neste caso, o arrendatário apor na cópia, em poder do senhorio, a sua assinatura com indicação da data em que a recebeu. O arrendatário tem também o direito de, simultaneamente, exigir que o senhorio aponha no documento que lhe é entregue a data em que a entrega é feita, comprovada pela respectiva assinatura, de modo a que os documentos que ficam em poder de cada uma das partes coincidam neste particular.
O arrendatário não está porém obrigado a receber a comunicação em mão que o senhorio lhe queira fazer. Se houver recusa, o senhorio terá de fazer a comunicação por carta registada com aviso de recepção, considerando-se o arrendatário notificado no dia em que a receber. Se a carta tiver sido devolvida ao remetente, por o arrendatário se ter recusado a recebê-la ou por não a ter levantado no prazo devido, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. Se a nova carta voltar a ser devolvida, seja por recusa de recepção do arrendatário, seja por não ter sido levantada, o arrendatário considera-se notificado no 10.º dia posterior ao do seu envio.

3.ª QuestãoComo proceder se houver pluralidade de senhorios ou de arrendatários?

Se houver pluralidade de senhorios, as comunicações devem, sob pena de ineficácia, ser subscritas por todos ou por quem os represente. Havendo pluralidade de arrendatários, a comunicação do senhorio será dirigida a todos os arrendatários.

4.ª QuestãoComo proceder se o local arrendado for casa de morada de família?

Se o local arrendado constituir casa de morada de família, as comunicações acima referidas devem ser dirigidas a ambos os cônjuges. Todavia, as comunicações do arrendatário podem ser subscritas por ambos ou por um só dos cônjuges.

domingo, novembro 25, 2007

REGIME ESPECIAL DE ACTUALIZAÇÃO DE RENDAS ANTIGAS



Cerca de três anos depois do último post, justifica-se, com a entrada em vigor do “Novo regime do arrendamento urbano” (NRAU), Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, que voltemos ao tema que nos ocupou nos últimos três meses do Governo PSD/CDS, chefiado por Santana Lopes, tanto mais que o regime especial de actualização das rendas antigas, que aquela Lei regula, carece de vários esclarecimentos e presta-se a comentários que podem interessar a todos os que são titulares de uma relação jurídica de arrendamento urbano anterior a 15 de Outubro de 1990.
O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) foi aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro. Esta Lei estabelece também um regime especial de actualização das rendas antigas e altera o Código Civil, o Código do Processo Civil, o Decreto-Lei n.º 287/2003 de 12 de Novembro, o Código do Imposto Municipal sobe Imóveis e o Código do Registo Predial.

Aquela Lei autorizou ainda o Governo a legislar, no prazo de 120 dias, sobre o “regime jurídico das obras compulsivas” e sobre a “definição fiscal do conceito de prédio devoluto”, definindo o objecto, o sentido e a extensão da autorização concedida. Pela mesma Lei, foi ainda o Governo incumbido de aprovar, igualmente no prazo de 120 dias, decretos-leis relativos às seguintes matérias: regime de determinação do rendimento anual bruto corrigido; regime de verificação e determinação do coeficiente de conservação; e regime de atribuição do subsídio de renda.

As matérias acima referidas estão reguladas nos seguintes diplomas:
- Regime jurídico das obras compulsivas – Decreto-Lei n.º 157/2006 de 8 de Agosto;
- Conceito fiscal de prédio devoluto – Decreto-Lei n.º 159/2006 de 8 de Agosto;
- Regime de determinação do rendimento anual bruto corrigido e atribuição do subsídio de renda – Decreto-Lei n.º 158/2006 de 8 de Agosto;
- Regime de determinação e verificação do coeficiente de conservação dos prédios arrendados – Decreto-Lei n.º 156/2006 de 8 Agosto
- Regime das comissões arbitrais municipais (composição, funcionamento e competência) – Decreto-Lei n.º 161/2006 de 8 de Agosto.
- Ficha de avaliação para a determinação do nível de conservação do prédio arrendado e ainda os critérios de avaliação e as regras necessárias à determinação dos níveis de conservação e respectivos coeficientes – Portaria n.º 1192-B/2006 de 3 de Novembro;
- Modelo único simplificado através do qual senhorios e inquilinos fazem comunicações e dirigem pedidos previstos nos diplomas acima referidos - Portaria n.º 1192-A/2006 de 3 de Novembro.

Pelo Decreto-Lei n.º 160/2006 de 8 de Agosto regula-se os elementos do contrato de arrendamento e os requisitos a que deve obedecer a sua celebração.

Inicialmente vamos apenas tratar do regime especial de actualização das rendas antigas de arrendamentos para habitação, entendendo-se por tal os contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU (Decreto-Lei n.º 321-B/90 de 15 de Outubro).

quarta-feira, dezembro 01, 2004

LEI DAS RENDAS (CONT.)

A dissolução da Assembleia da República


Artigo 164º, 4, da Constituição: “As autorizações caducam…com a dissolução da Assembleia da República”.

Com a dissolução da AR pelo Presidente da República, caduca a autorização legislativa que o Governo, à pressa e as escondidas dos portugueses, quis aprovar ou fez aprovar na Assembleia da República, no mesmo dia em que se estava discutindo o Orçamento do Estado. Segundo o relato de quem participou nos trabalhos da comissão, a confusão foi tanta que ainda hoje não se sabe bem como ficou a redacção definitiva. Por outro lado, a disponibilidade da maioria para aprovar o que o Governo queria que fosse aprovado, sem sequer saber o que estava a aprovar, terá sido mais uma triste manifestação da degradação da instituição parlamentar, enquanto “assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses”.

A proposta de lei teve ou terá muito em breve o fim que se previa. Não obstante, a máquina de propaganda que o Governo, aliado ao lobby da especulação imobiliária, mobilizou para fazer passar na opinião pública a ideia de que se tratava de uma reforma de fundo, capaz de assegurar a requalificação urbana através da restauração dos prédios degradados, capaz de proporcionar o retorno dos cidadãos ao centro das cidades, principalmente dos jovens (a propósito: lembram-se das críticas de Santana Lopes a João Soares durante a campanha eleitoral para a Câmara de Lisboa, por causa das obras nos prédios da Baixa? “Obras de fachada, por dentro tudo a cair. No próximo mandato iremos pôr centenas de jovens a habitar na baixa de Lisboa”. Melhor que esta só aquela de reservar todas as manhãs de sexta-feira para despachar nos bairros degradados assuntos de interesse local!), capaz de acautelar “as preocupações sociais do Senhor Primeiro-ministro” e outras tretas do género, não obstante, dizíamos, os poderosos meios mobilizados pelo Governo e, pelo menos até certa altura, o desinteresse dos partidos da oposição, foi possível criar um movimento de opinião que, à revelia da opinião publicada nos jornais, conseguiu desmascarar completamente os objectivos da lei, a ponto de hoje, entre os seus destinatários, já não haver nenhuma dúvida quanto aos seus reais objectivos. A proposta de lei vai ter, assim, o fim que merecia: lixo sobrante da presente legislatura!
Lisboa, 30 de Novembro de 2004

segunda-feira, novembro 29, 2004

LEI DAS RENDAS (CONT.)

LEI DAS RENDAS (CONT.)
O veto presidencial
Aprovada que está pelo Parlamento a lei de autorização legislativa sobre o regime do arrendamento urbano, praticamente na versão inicial divulgada pelo Governo, importa agora dirigir a luta no sentido da exigência de veto presidencial. De facto, não parece razoável que o Presidente da República transfira para outrem uma responsabilidade que, a vários títulos, é exclusivamente sua. É sua, porque cada vez mais este Governo é visto como um Governo intimamente ligado ao Presidente da República por todo o circunstancialismo que rodeou a designação do actual Primeiro-ministro, é sua ainda porque os factos posteriores à tomada de posse do Governo mais não tem que ilustrado o ponto de vista daqueles que defendiam não ter Santana Lopes condições para governar o país, não apenas por não gozar da confiança de sectores muito relevantes do seu próprio partido, mas principalmente por não possuir a estabilidade emocional nem os conhecimentos exigíveis a um primeiro-ministro. Perante as sucessivas crises vividas desde há quatro meses, quase todas da responsabilidade do Primeiro-ministro, o Presidente da República ou corta o mal pela raiz e repara o erro cometido, convocando eleições gerais, ou mantém o Governo sob a sua estrita vigilância, tratando-o como um simples governo de gestão para a maior parte dos assuntos. Conhecendo-se agora com razoável precisão a leviandade com que vários membros do Governo opinam sobre os mais diversos assuntos, desdizendo amanhã o que disseram hoje, e o modo aparentemente irresponsável como tomam certas decisões, sendo eles os primeiros a não lhes conferir qualquer estabilidade, o Presidente da República terá particulares responsabilidades na promulgação de leis que envolvam profundas alterações ao regime jurídico vigente, como é o caso da chamada reforma do arrendamento urbano. Aliás, é conhecido o clamor que tal reforma provocou nos mais diversos sectores da sociedade portuguesa. Com excepção do lobby imobiliário e dos sequazes do neo-liberalismo selvagem (passe o pleonasmo), todos os demais sectores, embora com intensidade diferente e com diferentes pontos de vista, são unânimes em considerar que a lei é uma barbaridade por não reconhecer a específicas particularidades do sector. Um Governo descredibilizado tanto perante a maior parte da classe política, como junto da inteligentsia nacional, e sem qualquer apoio da opinião pública, não tem condições políticas para promover reformas de fundo. Por isso, o Presidente da República deve vetar a lei e devolvê-la ao Parlamento com a mensagem de que o assunto, pela sua natureza, exige um tratamento mais consensualizado dos representantes da sociedade portuguesa. Não é o Tribunal Constitucional que deve assumir o ónus de “vetar” a lei, por maiores que sejam – e são – as inconstitucionalidades de que enferma. A questão é política e não jurídica. Só quando a questão política estiver solucionada é que o Tribunal Constitucional deverá ser chamado a analisar a conformidade da lei com a Constituição. Haverá, porém, muito tempo para o fazer, nomeadamente por via da fiscalização incidental e concreta.


Lisboa, 29 de Novembro de 2004

segunda-feira, novembro 15, 2004

LEI DAS RENDAS (CONT.)

O Movimento dos inquilinos - Moção
Em virtude de, por razões profissionais, não poder estar presente na reunião desta noite, proponho que nela seja aprovada a seguinte moção:
MOÇÃO

Considerando a iminente aprovação pela Assembleia da República de uma lei do arrendamento urbano que desrespeita gravemente princípios essenciais do Estado de direito democrático;

Considerando que o regime jurídico contido na referida lei representaria uma profunda ruptura na tradição político-jurídica do regime do arrendamento urbano em Portugal, nomeadamente no último século;

Considerando a desprotecção a que, em geral, ficariam votados todos os actuais inquilinos;

Considerando que a lei apela para um liberalismo sem freios como padrão norteador de todo o regime do arrendamento urbano, o qual, em matéria de fixação do montante das rendas, teria inevitavelmente como consequência um aumento imoderado do preço das mesmas;

Considerando que a lei, tanto pelo aumento incontrolado do preço das rendas como pela desprotecção, em geral, da posição do inquilino, doravante tratado como um precaríssimo possuidor em nome alheio, bem como ainda pelo desrespeito ostensivo por todos os direitos adquiridos ao longo de décadas, teria como consequência inevitável uma onda avassaladora de despejos,

Os inquilinos de Lisboa, reunidos em assembleia, em moção destinada a ser apresentada a todos os grupos parlamentares com assento na Assembleia da República, decidem:

1. Manifestar o seu profundo repúdio por uma lei do arrendamento urbano que desrespeita gravemente um dos mais importantes direitos fundamentais de natureza social;
2. Manifestar a sua recusa para aceitar, em matéria de arrendamento urbano, qualquer tipo de solução que apele para o mercado como resposta;
3. Exigir uma forte intervenção do Estado na regulamentação de todos os arrendamentos de pretérito.

Lisboa, 15 de Novembro de 2004


sábado, novembro 13, 2004

LEI DAS RENDAS (CONT.)

LEI DAS RENDAS (CONT.)


O MOVIMENTO DOS INQUILINOS



Na passada segunda-feira, 8 de Novembro, o “Público” anunciava, para essa noite, na Escola Preparatória Eugénio dos Santos, uma reunião de inquilinos das “Avenidas Novas”para uma tomada de posição sobre a nova lei do arrendamento urbano. Tratava-se indiscutivelmente de um facto de grande relevo político e social por ser a primeira vez que os interessados directos numa lei completamente feita à sua revelia iam ter oportunidade de expor os seus problemas, deixar extravasar as angústias que os assolam e certamente dar expressão ao sentimento de profunda revolta que os anima.
Do ponto de vista da frequência, a reunião foi um sucesso. Muita mais gente do que a esperada pelos organizadores. As expectativas acalentadas por todos os participantes cedo, porém, começaram a ser relativamente frustradas pela limitação de tempo imposta à reunião – um pouco menos de duas horas. Os organizadores da reunião, uma senhora inquilina que participou no Programa “Prós e Contras”, em “representação” da “classe média” e dois representantes da Associação de Inquilinos de Lisboa (Presidente e outro membro da direcção), tiveram alguma dificuldade em delimitar o objecto da reunião. Depois de alguns circunlóquios, ficou a perceber-se que a reunião se destinava, numa primeira parte, a esclarecer dúvidas (não referidas situações individuais), e, numa segunda, para aprovar uma moção.
A completa falta de experiência de condução de reuniões por parte dos organizadores e o deficientíssimo conhecimento do regime da “reforma”, aliados à manifestação de tiques autoritários por parte da dita senhora inquilina (que presidiu), não permitiram que a reunião tivesse a força mobilizadora que a situação impõe.
Foi grave que não tivesse havido uma exposição inicial capaz de sublinhar de modo muito directo e claro os aspectos mais negativamente relevantes dos diversos regimes previstos para os arrendamentos de pretérito, a saber: a) regime geral para os arrendamentos anteriores e posteriores ao RAU; b) regime em função dos rendimentos (com menos de cinco salários mínimos ou menos de três); c) regime em função da idade (com mais ou menos de cinco salários mínimos). Grave igualmente que não se tivesse sublinhado com idêntica intensidade a problemática das obras. Consequências: a quem sabia explicar não lhe foi concedido tempo para o fazer e a quem fez perguntas não lhe foram dadas respostas, tendo estes últimos sido remetidos para uma reunião da quarta-feira seguinte, que, tanto quanto se sabe, não se realizou.
Em vez de uma exposição eloquente e politicamente mobilizadora, o que nós ouvimos e sentimos foi um discurso muito pouco preparado e um extremo nervosismo por parte da dita senhora inquilina, que presidiu, denotando uma inexplicável impaciência sempre que alguém pedia a palavra. Mais grave ainda terá sido a intervenção do Presidente da Associação de Inquilinos que, entre algumas conformadas críticas, ia sublinhando os “aspectos positivos” da lei e expondo as suas primaríssimas concepções sobre o direito de propriedade. Com opositores deste jaez bem podem o Governo e o lobby imobiliário que o apoia ficar tranquilos. É inacreditável que uma entidade que tem por objecto a defesa dos inquilinos tenha demonstrado uma tão grande ignorância sobre a problemática do arrendamento urbano em Portugal, inclusive sobre questões jurídicas relevantíssimas (sendo para o caso absolutamente indiferente que o Presidente seja sociólogo ou outra coisa qualquer, ele tem de saber do que está a falar) e evidenciado uma total ausência de estratégia quanto à forma de abordar e combater os efeitos da reforma!
De facto, este último aspecto é sem dúvida o mais lamentável e o mais preocupante. O que se pretende com estas reuniões? Mobilizar os inquilinos para acções de protesto? A resposta do Presidente da Associação de Inquilinos é eloquente: “Não contem connosco para acções que desqualifiquem a nossa posição” (!!!). Terão antes por objectivo a aprovação de uma moção destinada a sensibilizar os grupos parlamentares? Parece que sim. Mas que moção? Toda a gente que conhece o regime do arrendamento urbano que o Governo se propõe aprovar sabe que se está perante medidas radicais inspiradas no que a cartilha neo-liberal tem de mais bárbaro. Por mais que sensatamente se tente explicar ao Governo as especificidades de um mercado tão singular como o do arrendamento urbano e por mais que se insista em que não se pode apagar da noite para o dia um passado de muitas décadas, como paciente e diplomaticamente o fez o Dr. Luís Barbosa no programa televisivo “Prós e Contras”, o Governo mantém-se autistamente alheio a todas os argumentos e continua arrogantemente, pela voz do Ministro Arnaut, a afirmar que “Como se verá, o mercado vai se encarregar de resolver sem dramas todas as situações”.
Perante este quadro o que seria de esperar de um movimento de inquilinos? Em primeiro lugar, que o movimento se organizasse de modo a que todos – e não apenas alguns – dos interesses atingidos pela nova lei estivessem representados na comissão; em segundo lugar, que a comissão fosse constituída por pessoas competentes nos vários domínios relevantes da matéria a tratar; em terceiro lugar, que os membros da comissão tivessem um mínimo de experiência de luta e de reivindicação adquirida em movimentos sociais ou outros; em quarto lugar, que os membros da comissão fossem democraticamente legitimados por uma assembleia de inquilinos; por último, que tivessem uma estratégia.
E o que é que nós vemos? Nós estamos em presença de uma autodenominada comissão (compreende-se que alguém tinha de começar e foi positivo que se tivesse começado) que manifesta muita dificuldade em dialogar com os interessados, constituída por pessoas que apenas parecem estar particularmente interessadas na eliminação ou atenuação de certos efeitos da nova lei, com pouca cultura democrática de trabalho colectivo, pouco ou às vezes mesmo nada conhecedora dos assuntos a tratar, sem qualquer competência técnica em certas áreas e desoladoramente despida de qualquer estratégia de actuação. De facto, este movimento não pode ficar nas mãos de pessoas que pretendem resolver o seu problema pessoal, sem espírito de solidariedade, e que, acima de tudo, não foram capazes de evidenciar uma linha de rumo em que se possa confiar.
Vamos a alguns exemplos. Quanto à competência técnica: um dos membros da dita comissão, reformado, com curso superior, depois de ter passado umas boas horas a ler os textos normativos da nova reforma, concluiu num e-mail (que pode ser exibido): ” Não estaremos a ver bruxas onde elas não existem?” Cita depois, em abono desta sua interrogação, uns textos da reforma cujo sentido não compreendeu, para concluir a seguir:”"Consequentemente nada vai mudar? Não temos que nos preocupar ou estou muito enganado"?. Por outro lado, a proposta, apresentada na reunião do passado dia 8, além ser recuadíssima do ponto de vista político, exprime pretensões menos vantajosas que o regime que a reforma consagra para alguns inquilinos. Todavia, o mais grave não está na incompetência técnica da proposta nem na incompetência técnica dos membros da comissão, mas na total ausência de estratégia politica que ela revela, embora os dois aspectos estejam ligados.
Para se perspectivar a acção do movimento tem de se fazer uma avaliação do que poderá vir a ser a actuação do Parlamento face à proposta de lei de autorização legislativa que o Governo lhe apresentou. Dada, por um lado, a escassa mobilização popular que dita reforma suscitou (por várias razões: primeiro, porque atinge pessoas sem tradição de luta, mais inclinadas a lamentar-se e a queixar-se do que rebelar-se contra as injustiças; em segundo lugar, porque a esmagadora maioria das pessoas desconhece os catastróficos efeitos da lei que aí vem; e, por último, porque factos políticos de vária ordem entretanto ocorridos (caso Marcelo, orçamento, eleições americanas, etc.) não permitiram que os partidos da oposição se tivessem empenhado a sério na contestação da “lei”) e dada, por outro, a permanente atitude de intransigência do Governo, não é de esperar que a maioria parlamentar que apoia o Governo modifique algo do que é essencial, por mais sensatas que sejam as propostas da oposição. O Ministro Arnaut tem afirmado: “Estamos disponíveis para receber contribuições desde que não desvirtuem o sentido da reforma”. Não é preciso dizer mais nada para se perceber o que tal afirmação significa. Depois de aprovada a lei de autorização legislativa pelo Parlamento, a capacidade de manobra do Governo será muito limitada ou quase nula, por razões que não posso aqui explicar, mas que a comissão, se fosse minimamente competente, compreenderia. Face a este quadro, a única atitude que se impõe é exigir que o Presidente da República vete a lei. Não se deve solicitar ao Presidente da República uma actuação jurídica, mas uma actuação exclusivamente política! O Presidente terá de ser confrontado com as suas responsabilidades e o movimento dos inquilinos terá de compreender que pior do que a promulgação da lei pelo Presidente da República seria, nesta fase, uma actuação jurídica da sua parte. Vai haver muito tempo para actuar juridicamente, se a lei for aprovada tal como está ou sem alterações substanciais…
No contexto descrito, que é muito provavelmente o que se vai passar, o movimento de inquilinos, nesta fase, apenas deve manifestar o seu profundo repúdio por uma lei que desrespeita gravemente um dos mais importantes direitos fundamentais de natureza social, manifestar a sua recusa para qualquer tipo de solução que apele para o mercado como resposta e exigir um forte intervenção reguladora do Estado para todos os arrendamentos de pretérito.
Se houvesse veto e o Governo o pretendesse aproveitar, como tábua de salvação, para se livrar do imbróglio em que se meteu (enfim, por razões eleitorais, porque o PP, como toda a gente já percebeu, tem estado muito calado, deixando para o fogoso Ministro Arnaut as despesas da conversa…) se veria depois como actuar, tanto junto dos partidos da oposição como dos da maioria.


Lisboa, 13 de Novembro de 2004

sexta-feira, novembro 05, 2004

LEI DAS RENDAS (CONT.)

LEI DAS RENDAS (CONT.)
Notas críticas sobre o A. material da lei e sobre o conceito de mercado

1. Ainda sobre o A. material da “lei” – Gostaria de não continuar a insistir nas críticas ao A. material da lei, tanto mais que os factos enumerados no último texto publicado (intervenção de 28/10/04) são por si elucidativos do cuidado que o referido A. põe na conformidade dos textos que formula com a Constituição. Se os textos normativos relativos à reforma do arrendamento urbano forem aprovados pelo Governo com a formulação que hoje consta dos projectos, tais antecedentes não vão certamente deixar de ser tidos em conta por quem tiver a seu cargo a missão de aferir da sua conformidade com a Constituição. Não obstante, seja-me, todavia, permitido insistir em mais dois ou três aspectos que me parecem relevantes.
a. Primeiro – Como bem sabem os especialistas destas matérias do arrendamento urbano e até os leigos (profanos, dizia MANUEL DE ANDRADE), pelo interesse prático que a mesma tem para eles, o senhorio não pode denunciar livremente o contrato no fim do prazo contratual. A lei tipifica as situações em que tal pode acontecer, mas, por outro lado, tendo em conta certas particularidades do arrendatário ou o tempo de permanência deste no local arrendado, estabelece limitações ao exercício daquele direito pelo senhorio. Pois bem: a lei de autorização legislativa (Lei n.º 42/90) ao abrigo da qual foi aprovado o Decreto – lei n.º 321 – B/90, de 15 de Outubro (RAU), estabeleceu como directriz a seguir relativamente às alterações a introduzir no regime do arrendamento urbano, entre outras, a seguinte: “Preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário”, al. c), art. 2.º. Não obstante esta limitação, o Governo, com base no texto formulado pelo referido A., alargou as causas de denúncia do contrato de arrendamento, aditando às que constavam da legislação anterior, mais uma: necessitar o senhorio do prédio para habitação dos seus descendentes em 1.º grau. Perante tal texto, não se suscitaram entre os juristas grandes dúvidas acerca da sua inconstitucionalidade, apesar da argumentação em sentido diferente de uma pequena minoria de juízes do TC. Não deixa, contudo, de ser significativo que, logo em 1990, o próprio A. material da lei, em “Novo regime do arrendamento urbano anotado”, tenha afirmado que tal disposição constituía uma “inovação de grande significado” e que tal inovação era “inteiramente de aplaudir” (por razões que não interessa aqui descrever). Quer dizer, o A. material da lei numa clara manifestação de arrogância intelectual, nem sequer se apercebeu que, dizendo o que dizia, evidenciava sem margem para qualquer dúvida a contradição entre esta disposição do RAU e a norma da lei de autorização legislativa ao abrigo da qual aquele fora aprovado! O Conselheiro Guilherme da Fonseca, relator de um dos processos em que a constitucionalidade daquela disposição foi analisada, dizia, por isso, ironicamente: “É, assim, indiscutível que se trata de uma inovação significativa relativamente ao direito anterior (CC de 19966 e Lei 2030, de 22 de Junho de 1948) ”, para daí retirar as consequências devidas – a inconstitucionalidade da norma.
b. Segundo – O A. material da lei iniciou a sua intervenção no programa televisivo em que participou, em defesa da reforma do arrendamento, ao lado do Ministro, dizendo que desde o tempo dos romanos a locação é um contrato de natureza temporária. Também no direito português vigente o é. Aliás, nunca deixou de o ser. O problema como bem se compreende não está na temporaneidade do contrato de arrendamento e na consequente obrigação de o arrendatário restituir a coisa, findo o contrato, ao locador, mas antes em saber que direitos e obrigações impendem sobre ambos os contraentes. Aliás, o regime do direito romano clássico assegurava ao locador uma protecção mais extensa do que aquela que a reforma do Ministro Arnaut lhe concede. Com efeito, depois da Lex Aede, o locador ficou impedido de expulsar arbitrariamente o locatário. A expulsão só poderia fundamentar-se no abuso de gozo, no não pagamento das merces ou na necessidade urgente da coisa por parte do locador. O mesmo se diga relativamente ao direito português antigo, a partir das Ordenações Afonsinas, não obstante a existência da figura da enfiteuse capaz de dar satisfação a situações tendencialmente perpétuas de direitos de natureza real repartidos sobre a mesma coisa. Já que estamos no domínio da erudição, convém ainda acrescentar que não é apenas no direito romano e no antigo direito português que a posição do arrendatário estava particularmente defendida. Todo o ensinamento do direito comparado aponta para uma evolução da figura da locação no sentido do reforço da posição do arrendatário. Por último, não deixa de ser significativo que sendo o A. material da lei um acérrimo defensor, na esteira de Paulo Cunha, da natureza real do direito do arrendatário, agora se apresente como A. de um projecto que apenas lhe confere um precaríssimo direito obrigacional!

2. Sobre o conceito de mercado segundo a reforma – O Ministro tem frequentemente afirmado que não existe entre nós um mercado de arrendamento, sendo esse um dos objectivos da reforma: criar um verdadeiro arrendamento que possa desviar as pessoas da compra de casa própria e simultaneamente proporcionar aos novos arrendatários rendas mais baixas. Mas, se não existe mercado, se o que existe é um preço especulativo do arrendamento para habitação, então que renda vão os senhorios pedir aos inquilinos, quando, por sua iniciativa, decidirem transitar para o novo regime? Vão naturalmente pedir o preço que naquele mesmo momento está sendo pedido pelos seus congéneres. Ou seja, vão pedir um preço especulativo, que é o único preço de referência que eles conhecem, preço que, na maioria esmagadora dos casos, os actuais inquilinos não podem pagar ou, quando podem, muito provavelmente não querem. Então, se tudo se passar conformemente ao que foi imaginado, este comportamento dos inquilinos teria como consequência a denúncia do contrato e a entrada dos respectivos fogos devolutos no mercado. Como estas casas se iriam juntar às cerca de 600 mil que já estão devolutas, passaria a haver um excesso da oferta sobre a procura e o preço das rendas desceria. Esta argumentação, que é típica de um economista liberal, apontaria para uma situação que, se porventura viesse a verificar-se, permitiria afirmar, sem margem para qualquer dúvida, que a reforma promove o despejo dos actuais inquilinos para “fazer” o mercado! E a questão que então se põe é a seguinte: o legislador pode actuar deste modo relativamente a um bem como a habitação? Não há limites à discricionariedade legislativa num Estado de direito?

3. Outras considerações – O novo regime do arrendamento urbano (NRAU) que o Governo se prepara para aprovar – ou já aprovou, tal o desprezo a que o Parlamento é votado – é tão brutal que até o próprio Governo parece ter vergonha em o explicitar completamente. Primeiramente, tentou desviar a atenção do essencial com o discurso de protecção dos “velhinhos e dos pobrezinhos”, utilizando, como sempre acontece com todos os populismos, uma linguagem de cariz “social” para encobrir o essencial. Depois, tanto no preâmbulo da proposta de lei de autorização legislativa, como também no preâmbulo do projecto de decreto-lei regulador dos arrendamentos de pretérito, o legislador tenta esconder e disfarçar os verdadeiros efeitos das medidas neles contidas. Nunca em qualquer dos preâmbulos se disserta abertamente sobre o regime geral aplicável aos arrendamentos de pretérito. Fala-se em regime de transição, como se de um verdadeiro regime de transição se tratasse, vai-se apelando para o mercado como instrumento capaz de proporcionar “rendas justas e acessíveis”, fala-se na reabilitação do património imobiliário urbano, “como requisito indispensável para qualquer senhorio poder aceder ao novo regime” (!!) e outras tiradas do género, completamente falsas ou parcialmente falsas, como facilmente se comprova pela leitura do articulado. Se o nosso A. material da lei fosse um jurista minimamente independente e se não se comportasse com um fiel cumpridor das instruções do “dono da obra”, além de responder com clareza à questão acima formulada, desenganando as pessoas que ainda supõem que haverá um período de três anos durante o qual o novo regime se não aplicará, dir-nos-ia ainda que o novo regime descaracteriza o contrato de arrendamento urbano como nunca tinha acontecido entre nós, trata de modo profundamente desigual as partes (um, entre muitos exemplos, que se poderiam apontar: o direito de o senhorio transitar para o novo regime e o direito de actualização das rendas são direitos irrenunciáveis, mas já é renunciável pelo inquilino o direito de exigir a licença de utilização ou o certificado de habitabilidade ao senhorio…) e cria uma tal instabilidade ao inquilino, ao novo inquilino, que o mais provável é que ele contribua ainda mais para a inexistência de um mercado de arrendamento. Com efeito, nunca no direito português, desde a fundação até à actualidade, o arrendatário havia sido remetido para a situação em que a reforma o pretende colocar – o de um precaríssimo possuidor em nome alheio, em alguns casos com menos direitos que o simples comodatário. Nunca! Basta atentar em mais alguns simples exemplos. Em matéria de resolução, substituiu a enumeração casuística das causas de resolução por uma extensíssima cláusula geral,“justa causa”, como fundamento de rescisão. Por outro lado, não obstante todas as facilidades concedidas ao senhorio em matéria de denúncia do contrato, acentuando excessivamente a precariedade da posição do arrendatário, o legislador introduz ainda a extraordinária inovação de permitir ao senhorio a denúncia do contrato por “necessidade de utilização pelo próprio, pelo cônjuge ou por qualquer parente ou afim, na linha recta”! Isto é: nem sequer se exige que o prédio seja necessário para habitação, basta que qualquer daquelas pessoas necessite de o utilizar! Perante uma tal concepção do direito de propriedade, seguramente mais exacerbada do que existente nos tempos de Marx, não serão certamente tempos fáceis os tempos que nos esperam…Haja esperança, em todo o caso. Vivemos em democracia e vai ser certamente possível impedir sobre vários aspectos a vigência desta lei. Ela é, a vários títulos, inconstitucional.

Lisboa, 5 de Novembro de 2004

quinta-feira, outubro 28, 2004

LEI DAS RENDAS (CONT.)



RENDAS JUSTAS (CONT.)
A jurisprudência do Tribunal Constitucional


1. A participação do autor material da lei no “Programa prós e contras”, ao lado do Governo, na defesa política da anunciada reforma, leva-me, tendo por referência as suas desastradas intervenções jurídicas, a historiar muito sumariamente as suas anteriores participações nesta matéria, a fim de que com rigor se possa aferir da sua competência para produzir um texto legislativo conforme à Constituição da República.
2. É sabido que o regime vigente do arrendamento, aprovado pelo Decreto-lei n.º 321 – B/90 (RAU), de 15 de Outubro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 42/90, de 10 de Agosto, teve também como autor material o mesmo Professor.
3. Pois bem, mal o referido diploma foi publicado logo se detectou, pela análise dos chamados pontos críticos do novo regime, que eram várias as inconstitucionalidades de que o mesmo enfermava – inconstitucionalidades materiais e orgânicas. Esta análise veio, com o decurso do tempo, a ser completamente confirmada pela jurisdição do Tribunal Constitucional. Enumeram-se exemplificativamente as seguintes situações:

· Pelo acórdão nº. 410/97, de 27 de Maio, o Tribunal Constitucional (TC) decretou com força obrigatória geral a norma do art. 1.º do DL n.º278/93, de 10 de Agosto, na parte que revoga o n.º 3 do art. 84.º do RAU, por violação do disposto no art. 168.º, n.º1, al. h), da Constituição da República (CR). Através deste expediente jurídico tinha-se em vista fazer caducar o direito de transmissão do arrendamento pelo facto de o transmissário não haver comunicado ao senhorio, nos termos e prazos legais, a morte do arrendatário ou do cônjuge sobrevivo.
· Pelo acórdão n.º 114/98, de 4 de Fevereiro, o TC declarou inconstitucional com força obrigatória geral a norma do art. 36.º, n.º 1, do RAU, por violação da alínea q) do n.º 1 do art. 168.º da CR. O tribunal considerou que a comissão especial prevista naquele artigo tinha natureza jurisdicional, de tribunal arbitral, pelo que a sua constituição era da competência da Assembleia da República (AR).
· Pelo acórdão n.º 55/99, o TC declarou inconstitucional com força obrigatória geral o art. 69.º, n.º1, al. a) do RAU, por violação do art.168.º, n.º1, al. h) da CR. O RAU, contra o disposto na lei de autorização legislativa, alargou os fundamentos de denúncia do contrato pelo senhorio ao facto de este necessitar do prédio para habitação dos seus descendentes em primeiro grau, tendo obviamente tal desconformidade sido julgada inconstitucional pelo tribunal.
· Pelo acórdão n.º 97/00, de 16 de Fevereiro, o TC declarou inconstitucional com força obrigatória geral o art. 107.º, n.º1, al. b) do RAU, por violação do art. 168.º, n.º1, al. h) da CR. O RAU, na regulação das limitações ao direito de denúncia pelo senhorio, alargou de 20 para 30 anos o período de tempo de permanência do arrendatário no local arrendado, nessa qualidade, como facto impeditivo do exercício daquele direito. O TC considerou que tal alargamento violava o princípio expresso na lei de autorização legislativa segundo o qual as alterações a introduzir ao regime vigente deveriam “preservar as regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário”.
· Pelos acórdãos n.ºs 259/98, de 5 de Março e 270/99, de 5 de Maio, foi julgada materialmente inconstitucional, por violação do art. 2.º da CR, a norma do art. 107.º, n.º1, al. b) do RAU, interpretada de modo a abranger os casos em que o prazo já decorrera integralmente no domínio da lei antiga. Como atrás se disse, o RAU, na regulação das limitações ao direito de denúncia do senhorio, alargou de 20 para 30 anos o período de permanência do arrendatário, nessa qualidade, no local arrendado, como facto impeditivo do exercício daquele direito. O TC considerou que, nos casos em que o prazo estabelecido pela lei antiga já tivesse decorrido integralmente, não poderia o contrato ser denunciado, nos termos do art. 69.º do RAU, em virtude de tal interpretação da norma violar o princípio da confiança ínsito no conceito de Estado de Direito. Esta disposição do RAU tem, assim, a especial particularidade de haver sido declarada inconstitucional por duas razões diferentes!
· Pelo acórdão n.º 381/99, de 22 de Junho, o TC declarou materialmente inconstitucional a norma do n.º2 do art. 36.º do Código das Expropriações em conjugação com a norma do art. 72.º, n.º 1 do RAU, por violação do art. 62.º, n.º2, da CR. O TC considerou que a indemnização prevista no RAU (dois meses e meio de renda), para os casos de caducidade do arrendamento por expropriação do direito de arrendamento, não integra, pela sua exiguidade, o conceito de justa indemnização exigido pelo art. 62.º, n.º 2, da CR. Aliás, acrescenta o tribunal, o princípio da justa indemnização é uma concretização do princípio do Estado de Direito.

4. Estes simples exemplos servem para demonstrar que nem a arrogância do Ministro Arnaut, quanto à constitucionalidade da nova “lei”, tem antecedentes em que se possa sustentar, nem o proclamado mérito do seu autor material tem um passado tão recomendável em matéria de respeito pela Constituição que seja susceptível de deixar tranquilos aqueles que recorreram aos seus serviços. Com efeito, as inconstitucionalidades que acima estão enumeradas, decretadas pelo TC, respeitam todas elas a situações em que, umas vezes em flagrante contradição com a lei de autorização, outras em desrespeito directo pelas normas e princípios constitucionais, se pretendeu agravar a posição do arrendatário. Trata-se, todavia, em todos os casos, de erros crassos. De erros que mesmo a mais empedernida cegueira ideológica deveria ter evitado. É claro que, para muitos de nós, nada disto constitui novidade, pois sabemos muito bem que, para certos sectores da Faculdade de Direito de Lisboa, sectores nos quais o autor material da lei se integra, o respeito pela Constituição, como lei fundamental do país, constitui uma aporia. Basta ler os seus manuais e confrontá-los com os textos que os mesmos autores, ou os seus dilectos Mestres, escreveram antes do 25 de Abril, para logo se perceber que, para eles, a Constituição era e é a de 1933! Só que esta questão levanta uma outra: como pode um Estado democrático de direito, mesmo quando transitoriamente governado pela direita mais reaccionária que depois de 74 chegou ao poder, entregar um trabalho desta envergadura e importância política e social a quem já deu sobejas provas de não respeitar plenamente a ordem jurídica portuguesa? Segundo que critérios foi o serviço adjudicado? Houve concurso, houve, ao menos, consulta ao mercado segundo termos de referência apresentados pelo Governo? Ou houve apenas, muito pura e simplesmente, um ajuste directo? E, neste caso, com que fundamento? A competência técnica? A natureza altamente especializada do assunto a tratar? Mas se alguém que, nesta matéria, já deu provas de não estar à altura da incumbência é precisamente o autor material da lei! E é admissível que aqueles que “enchem a boca” com o mercado adjudiquem um serviço desta importância por ajuste directo? Que moralidade! E quanto custou este serviço ao erário público? Quinhentos mil euros como sottovoce se vai dizendo entre assessores e adjuntos próximos do Ministério em questão? Ou custou mais? Não deveria este assunto ser politicamente investigado?

terça-feira, outubro 26, 2004

LEI DAS RENDAS (CONT.)

A LEI DAS RENDAS (CONT.)

O PROGRAMA PRÓS E CONTRAS DA RTP

1. Acabei de assistir ao programa Prós e Contras da RTP, que hoje teve como tema “a nova lei do arrendamento urbano”. Tudo o que neste blog se tem dito sobre esta “lei” foi amplamente confirmado pelo resultado geral do debate. O Ministro, pela primeira vez sujeito a um verdadeiro contraditório e tendo que actuar apenas com o desastrado apoio de Menezes Cordeiro, já que o Prof. Pardal se limitou a saltitar de tema em tema sem nunca se fixar no essencial, foi absolutamente incapaz de sustentar o discurso demagógico com que a central de informação do Governo tem vindo a tentar “vender” a nova “lei”. Aliás, não é de admirar que tal tenha acontecido, porque já no solilóquio que manteve com Judite de Sousa, no mesmo canal televisivo, tinham ficado suficientemente evidenciadas as fragilidades do texto legal relativamente ao discurso que o pretende sustentar, bem como as próprias fragilidades do Ministro, que não assentam apenas no seu desconhecimento da matéria, mas sobretudo na sua incapacidade para convencer o auditório.

2. De facto, o Ministro demonstrou que não domina a realidade social e económica que pretende desregular e que uma argumentação exclusivamente baseada em ideias muito gerais da vulgata neo-liberal, ainda por cima expostas nos simplistas termos em que ele as sintetiza, é absolutamente insuficiente para convencer seja quem for. O discurso dos “velhinhos e dos pobrezinhos” está esgotado. Tanto os mais idosos como os mais desfavorecidos economicamente já perceberam o que a lei diz e não se vão deixar enganar. É que a defesa de uma lei que tenha por real objectivo devolver as casas em bom estado aos senhorios e potenciar a entrada do capital financeiro no mercado imobiliário especulativo dos fogos degradados exige uma perícia e uma arte políticas que o Ministro manifestamente não tem, nem nunca virá a ter. E talvez só hoje o Primeiro-ministro Santana Lopes, se outras ocupações sociais mais relevantes o não impediram de ver o programa, tenha verdadeiramente compreendido o imbróglio em que o meteram. O que não deixa à mesma de ser grave, porque coordenar um Governo não é aparecer rodeado de ministros a anunciar a reforma tal ou tal, mas conhecer em profundidade o seu regime e os seus efeitos, para não ter que bater em retirada às primeiras dificuldades ou, pior ainda, permanecer teimosamente no erro e criar um clima social insustentável. O populismo, Senhor Primeiro-ministro, é aceitar que se diga, como sistematicamente tem dito este seu desajeitado Ministro da Habitação que: “ recebi instruções expressas do Senhor Primeiro-ministro, que me pediu para haver uma preocupação clara com o impacto social que esta lei terá nos idosos…” etc., etc., – a lenga-lenga do costume, que até já é motivo de galhofa na comunicação social, e depois todos virem a compreender, Primeiro-ministro inclusive?, que afinal o regime da “lei” é muito diferente do que foi anunciado. Por isso, insisto no que, por outras palavras, tenho dito: a “lei” não é séria, nem é intelectualmente sustentável, a menos que o Governo se assuma como um promotor sem escrúpulos dos interesses acima identificados.

3. Apraz-me registar as notáveis intervenções que no debate televisivo tiveram a economista moradora na Av. da Igreja (ou do Brasil?), que de forma simples, mas brilhante, expôs com toda a crueza o regime geral a que ficam submetidos os arrendamentos de pretérito, o Dr. Luís Barbosa, que, com a diplomacia possível, disse ao Ministro que nem ele nem os autores materiais da lei sabiam o que andavam a fazer e a senhoria que tem um prédio degradado para recuperar. No plano político e técnico, a Odete Santos esteve insuperável. A Leonor Coutinho deixou perceber qual vai ser a posição do PS: como sempre, do lado do Estado de direito E a propósito: o Bloco não se manifesta publicamente? Ou este seu silêncio já é um prenúncio do que inevitavelmente lhe acontecerá se o PS crescer muito?

4. A lamentável intervenção de Menezes Cordeiro merece um comentário à parte. Se o Ministro esperava deste, ao que parece, autor material da lei, um apoio e uma ajuda para suas conhecidas insuficiências e limitações, deve por esta hora, se lhe restar um mínimo de espírito crítico, estar bem arrependido de o ter levado consigo. Do ponto de vista televisivo, o Professor foi um desastre! Começar por debitar uma bafienta sebenta a propósito do conceito de arrendamento - uma realidade que todos os presentes naquele debate conhecem perfeitamente - e da sua natureza jurídica, com referências pretensamente eruditas aos romanos – que, seja-me permitido dizê-lo, como juristas foram aquilo que Menezes Cordeiro demonstrou nunca poder vir a ser – é meio caminho andado para a catástrofe que as ulteriores intervenções confirmaram. O Prof., ao sujeitar pura e simplesmente o contrato de arrendamento urbano ao tal princípio da autonomia da vontade, que se joga sempre segundo as regras do mais forte, não somente inviabiliza o nascimento do pretendido mercado de arrendamento, por fragilizar excessivamente a posição contratual de uma das partes, como cria uma situação social insustentável para todos os arrendamentos de pretérito. E sendo a República Portuguesa, como efectivamente é, um Estado de direito democrático não é crível que tais normas possam ter acolhimento no seio do nosso ordenamento jurídico, qualquer que seja a esse respeito a vontade do legislador e a dos juristas contratados que o apoiam. Sobre este tema, por agora, fico-me por aqui, não sem antes lembrar ao Prof., a propósito de anteriores andanças suas por estas mesmas matérias, que os homens inteligentes aprendem com os erros dos outros e os normais com os próprios…Lamentável foi igualmente, não apenas do ponto de vista sócio-político, mas também juridicamente, a sua intervenção sobre o arrendamento comercial. Além se ter confrontado, depois da confusa e incorrecta explicação sobre as consequências da “lei” para o dono do restaurante de Alfama, com a resposta que este lhe deu: “Não acredito no que me está a dizer, nem é isso o que a lei diz”, teve ainda de se sujeitar a uma verdadeira lição de direito, dada pela Odete, por não ter sabido distinguir, a propósito do arrendamento comercial, entre a posição de inquilino e a de dono do estabelecimento comercial. Lamentável é igualmente ouvir dizer de um Prof. de direito que um inquilino com contrato de arrendamento há 35 anos pode exigir a indemnização das benfeitorias feitas ao longo dos anos, desde que as prove…

5. Para terminar a intervenção de hoje apenas mais uma nota relativa às obras previstas na nova “lei”. Tem sido argumentação recorrente do Ministro a de que o senhorio só pode aumentar a renda, se fizer obras e de que a lei tem em vista a requalificação urbana, nomeadamente de Lisboa e Porto. A primeira afirmação é falsa, como falsa é a proposição segundo a qual o aumento das rendas está subordinado à apresentação da licença de utilização ou do certificado de habitabilidade. A norma que exige a apresentação destes documentos é supletiva, podendo como tal ser afastada pela vontade das partes. Por aqui logo se vê a importância que o Ministro concede à dita requalificação urbana por esta via. Mas há mais: há um outro aspecto da questão a que ninguém tem aludido e que é o seguinte: o que acontece se o inquilino exigir ao senhorio o certificado de habitabilidade e a Câmara não o passar dentro do prazo previsto na lei geral? Vale o princípio do deferimento tácito?

Lisboa, 26 de Outubro de 2004