LEI DAS RENDAS (CONT.)
RENDAS JUSTAS (CONT.)
A jurisprudência do Tribunal Constitucional
1. A participação do autor material da lei no “Programa prós e contras”, ao lado do Governo, na defesa política da anunciada reforma, leva-me, tendo por referência as suas desastradas intervenções jurídicas, a historiar muito sumariamente as suas anteriores participações nesta matéria, a fim de que com rigor se possa aferir da sua competência para produzir um texto legislativo conforme à Constituição da República.
2. É sabido que o regime vigente do arrendamento, aprovado pelo Decreto-lei n.º 321 – B/90 (RAU), de 15 de Outubro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 42/90, de 10 de Agosto, teve também como autor material o mesmo Professor.
3. Pois bem, mal o referido diploma foi publicado logo se detectou, pela análise dos chamados pontos críticos do novo regime, que eram várias as inconstitucionalidades de que o mesmo enfermava – inconstitucionalidades materiais e orgânicas. Esta análise veio, com o decurso do tempo, a ser completamente confirmada pela jurisdição do Tribunal Constitucional. Enumeram-se exemplificativamente as seguintes situações:
· Pelo acórdão nº. 410/97, de 27 de Maio, o Tribunal Constitucional (TC) decretou com força obrigatória geral a norma do art. 1.º do DL n.º278/93, de 10 de Agosto, na parte que revoga o n.º 3 do art. 84.º do RAU, por violação do disposto no art. 168.º, n.º1, al. h), da Constituição da República (CR). Através deste expediente jurídico tinha-se em vista fazer caducar o direito de transmissão do arrendamento pelo facto de o transmissário não haver comunicado ao senhorio, nos termos e prazos legais, a morte do arrendatário ou do cônjuge sobrevivo.
· Pelo acórdão n.º 114/98, de 4 de Fevereiro, o TC declarou inconstitucional com força obrigatória geral a norma do art. 36.º, n.º 1, do RAU, por violação da alínea q) do n.º 1 do art. 168.º da CR. O tribunal considerou que a comissão especial prevista naquele artigo tinha natureza jurisdicional, de tribunal arbitral, pelo que a sua constituição era da competência da Assembleia da República (AR).
· Pelo acórdão n.º 55/99, o TC declarou inconstitucional com força obrigatória geral o art. 69.º, n.º1, al. a) do RAU, por violação do art.168.º, n.º1, al. h) da CR. O RAU, contra o disposto na lei de autorização legislativa, alargou os fundamentos de denúncia do contrato pelo senhorio ao facto de este necessitar do prédio para habitação dos seus descendentes em primeiro grau, tendo obviamente tal desconformidade sido julgada inconstitucional pelo tribunal.
· Pelo acórdão n.º 97/00, de 16 de Fevereiro, o TC declarou inconstitucional com força obrigatória geral o art. 107.º, n.º1, al. b) do RAU, por violação do art. 168.º, n.º1, al. h) da CR. O RAU, na regulação das limitações ao direito de denúncia pelo senhorio, alargou de 20 para 30 anos o período de tempo de permanência do arrendatário no local arrendado, nessa qualidade, como facto impeditivo do exercício daquele direito. O TC considerou que tal alargamento violava o princípio expresso na lei de autorização legislativa segundo o qual as alterações a introduzir ao regime vigente deveriam “preservar as regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário”.
· Pelos acórdãos n.ºs 259/98, de 5 de Março e 270/99, de 5 de Maio, foi julgada materialmente inconstitucional, por violação do art. 2.º da CR, a norma do art. 107.º, n.º1, al. b) do RAU, interpretada de modo a abranger os casos em que o prazo já decorrera integralmente no domínio da lei antiga. Como atrás se disse, o RAU, na regulação das limitações ao direito de denúncia do senhorio, alargou de 20 para 30 anos o período de permanência do arrendatário, nessa qualidade, no local arrendado, como facto impeditivo do exercício daquele direito. O TC considerou que, nos casos em que o prazo estabelecido pela lei antiga já tivesse decorrido integralmente, não poderia o contrato ser denunciado, nos termos do art. 69.º do RAU, em virtude de tal interpretação da norma violar o princípio da confiança ínsito no conceito de Estado de Direito. Esta disposição do RAU tem, assim, a especial particularidade de haver sido declarada inconstitucional por duas razões diferentes!
· Pelo acórdão n.º 381/99, de 22 de Junho, o TC declarou materialmente inconstitucional a norma do n.º2 do art. 36.º do Código das Expropriações em conjugação com a norma do art. 72.º, n.º 1 do RAU, por violação do art. 62.º, n.º2, da CR. O TC considerou que a indemnização prevista no RAU (dois meses e meio de renda), para os casos de caducidade do arrendamento por expropriação do direito de arrendamento, não integra, pela sua exiguidade, o conceito de justa indemnização exigido pelo art. 62.º, n.º 2, da CR. Aliás, acrescenta o tribunal, o princípio da justa indemnização é uma concretização do princípio do Estado de Direito.
4. Estes simples exemplos servem para demonstrar que nem a arrogância do Ministro Arnaut, quanto à constitucionalidade da nova “lei”, tem antecedentes em que se possa sustentar, nem o proclamado mérito do seu autor material tem um passado tão recomendável em matéria de respeito pela Constituição que seja susceptível de deixar tranquilos aqueles que recorreram aos seus serviços. Com efeito, as inconstitucionalidades que acima estão enumeradas, decretadas pelo TC, respeitam todas elas a situações em que, umas vezes em flagrante contradição com a lei de autorização, outras em desrespeito directo pelas normas e princípios constitucionais, se pretendeu agravar a posição do arrendatário. Trata-se, todavia, em todos os casos, de erros crassos. De erros que mesmo a mais empedernida cegueira ideológica deveria ter evitado. É claro que, para muitos de nós, nada disto constitui novidade, pois sabemos muito bem que, para certos sectores da Faculdade de Direito de Lisboa, sectores nos quais o autor material da lei se integra, o respeito pela Constituição, como lei fundamental do país, constitui uma aporia. Basta ler os seus manuais e confrontá-los com os textos que os mesmos autores, ou os seus dilectos Mestres, escreveram antes do 25 de Abril, para logo se perceber que, para eles, a Constituição era e é a de 1933! Só que esta questão levanta uma outra: como pode um Estado democrático de direito, mesmo quando transitoriamente governado pela direita mais reaccionária que depois de 74 chegou ao poder, entregar um trabalho desta envergadura e importância política e social a quem já deu sobejas provas de não respeitar plenamente a ordem jurídica portuguesa? Segundo que critérios foi o serviço adjudicado? Houve concurso, houve, ao menos, consulta ao mercado segundo termos de referência apresentados pelo Governo? Ou houve apenas, muito pura e simplesmente, um ajuste directo? E, neste caso, com que fundamento? A competência técnica? A natureza altamente especializada do assunto a tratar? Mas se alguém que, nesta matéria, já deu provas de não estar à altura da incumbência é precisamente o autor material da lei! E é admissível que aqueles que “enchem a boca” com o mercado adjudiquem um serviço desta importância por ajuste directo? Que moralidade! E quanto custou este serviço ao erário público? Quinhentos mil euros como sottovoce se vai dizendo entre assessores e adjuntos próximos do Ministério em questão? Ou custou mais? Não deveria este assunto ser politicamente investigado?
1. A participação do autor material da lei no “Programa prós e contras”, ao lado do Governo, na defesa política da anunciada reforma, leva-me, tendo por referência as suas desastradas intervenções jurídicas, a historiar muito sumariamente as suas anteriores participações nesta matéria, a fim de que com rigor se possa aferir da sua competência para produzir um texto legislativo conforme à Constituição da República.
2. É sabido que o regime vigente do arrendamento, aprovado pelo Decreto-lei n.º 321 – B/90 (RAU), de 15 de Outubro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 42/90, de 10 de Agosto, teve também como autor material o mesmo Professor.
3. Pois bem, mal o referido diploma foi publicado logo se detectou, pela análise dos chamados pontos críticos do novo regime, que eram várias as inconstitucionalidades de que o mesmo enfermava – inconstitucionalidades materiais e orgânicas. Esta análise veio, com o decurso do tempo, a ser completamente confirmada pela jurisdição do Tribunal Constitucional. Enumeram-se exemplificativamente as seguintes situações:
· Pelo acórdão nº. 410/97, de 27 de Maio, o Tribunal Constitucional (TC) decretou com força obrigatória geral a norma do art. 1.º do DL n.º278/93, de 10 de Agosto, na parte que revoga o n.º 3 do art. 84.º do RAU, por violação do disposto no art. 168.º, n.º1, al. h), da Constituição da República (CR). Através deste expediente jurídico tinha-se em vista fazer caducar o direito de transmissão do arrendamento pelo facto de o transmissário não haver comunicado ao senhorio, nos termos e prazos legais, a morte do arrendatário ou do cônjuge sobrevivo.
· Pelo acórdão n.º 114/98, de 4 de Fevereiro, o TC declarou inconstitucional com força obrigatória geral a norma do art. 36.º, n.º 1, do RAU, por violação da alínea q) do n.º 1 do art. 168.º da CR. O tribunal considerou que a comissão especial prevista naquele artigo tinha natureza jurisdicional, de tribunal arbitral, pelo que a sua constituição era da competência da Assembleia da República (AR).
· Pelo acórdão n.º 55/99, o TC declarou inconstitucional com força obrigatória geral o art. 69.º, n.º1, al. a) do RAU, por violação do art.168.º, n.º1, al. h) da CR. O RAU, contra o disposto na lei de autorização legislativa, alargou os fundamentos de denúncia do contrato pelo senhorio ao facto de este necessitar do prédio para habitação dos seus descendentes em primeiro grau, tendo obviamente tal desconformidade sido julgada inconstitucional pelo tribunal.
· Pelo acórdão n.º 97/00, de 16 de Fevereiro, o TC declarou inconstitucional com força obrigatória geral o art. 107.º, n.º1, al. b) do RAU, por violação do art. 168.º, n.º1, al. h) da CR. O RAU, na regulação das limitações ao direito de denúncia pelo senhorio, alargou de 20 para 30 anos o período de tempo de permanência do arrendatário no local arrendado, nessa qualidade, como facto impeditivo do exercício daquele direito. O TC considerou que tal alargamento violava o princípio expresso na lei de autorização legislativa segundo o qual as alterações a introduzir ao regime vigente deveriam “preservar as regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário”.
· Pelos acórdãos n.ºs 259/98, de 5 de Março e 270/99, de 5 de Maio, foi julgada materialmente inconstitucional, por violação do art. 2.º da CR, a norma do art. 107.º, n.º1, al. b) do RAU, interpretada de modo a abranger os casos em que o prazo já decorrera integralmente no domínio da lei antiga. Como atrás se disse, o RAU, na regulação das limitações ao direito de denúncia do senhorio, alargou de 20 para 30 anos o período de permanência do arrendatário, nessa qualidade, no local arrendado, como facto impeditivo do exercício daquele direito. O TC considerou que, nos casos em que o prazo estabelecido pela lei antiga já tivesse decorrido integralmente, não poderia o contrato ser denunciado, nos termos do art. 69.º do RAU, em virtude de tal interpretação da norma violar o princípio da confiança ínsito no conceito de Estado de Direito. Esta disposição do RAU tem, assim, a especial particularidade de haver sido declarada inconstitucional por duas razões diferentes!
· Pelo acórdão n.º 381/99, de 22 de Junho, o TC declarou materialmente inconstitucional a norma do n.º2 do art. 36.º do Código das Expropriações em conjugação com a norma do art. 72.º, n.º 1 do RAU, por violação do art. 62.º, n.º2, da CR. O TC considerou que a indemnização prevista no RAU (dois meses e meio de renda), para os casos de caducidade do arrendamento por expropriação do direito de arrendamento, não integra, pela sua exiguidade, o conceito de justa indemnização exigido pelo art. 62.º, n.º 2, da CR. Aliás, acrescenta o tribunal, o princípio da justa indemnização é uma concretização do princípio do Estado de Direito.
4. Estes simples exemplos servem para demonstrar que nem a arrogância do Ministro Arnaut, quanto à constitucionalidade da nova “lei”, tem antecedentes em que se possa sustentar, nem o proclamado mérito do seu autor material tem um passado tão recomendável em matéria de respeito pela Constituição que seja susceptível de deixar tranquilos aqueles que recorreram aos seus serviços. Com efeito, as inconstitucionalidades que acima estão enumeradas, decretadas pelo TC, respeitam todas elas a situações em que, umas vezes em flagrante contradição com a lei de autorização, outras em desrespeito directo pelas normas e princípios constitucionais, se pretendeu agravar a posição do arrendatário. Trata-se, todavia, em todos os casos, de erros crassos. De erros que mesmo a mais empedernida cegueira ideológica deveria ter evitado. É claro que, para muitos de nós, nada disto constitui novidade, pois sabemos muito bem que, para certos sectores da Faculdade de Direito de Lisboa, sectores nos quais o autor material da lei se integra, o respeito pela Constituição, como lei fundamental do país, constitui uma aporia. Basta ler os seus manuais e confrontá-los com os textos que os mesmos autores, ou os seus dilectos Mestres, escreveram antes do 25 de Abril, para logo se perceber que, para eles, a Constituição era e é a de 1933! Só que esta questão levanta uma outra: como pode um Estado democrático de direito, mesmo quando transitoriamente governado pela direita mais reaccionária que depois de 74 chegou ao poder, entregar um trabalho desta envergadura e importância política e social a quem já deu sobejas provas de não respeitar plenamente a ordem jurídica portuguesa? Segundo que critérios foi o serviço adjudicado? Houve concurso, houve, ao menos, consulta ao mercado segundo termos de referência apresentados pelo Governo? Ou houve apenas, muito pura e simplesmente, um ajuste directo? E, neste caso, com que fundamento? A competência técnica? A natureza altamente especializada do assunto a tratar? Mas se alguém que, nesta matéria, já deu provas de não estar à altura da incumbência é precisamente o autor material da lei! E é admissível que aqueles que “enchem a boca” com o mercado adjudiquem um serviço desta importância por ajuste directo? Que moralidade! E quanto custou este serviço ao erário público? Quinhentos mil euros como sottovoce se vai dizendo entre assessores e adjuntos próximos do Ministério em questão? Ou custou mais? Não deveria este assunto ser politicamente investigado?
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